Autora: Elizete Arantes
Atuante em Artes Visuais e Educomunicação
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Partindo do principio que a moda sempre viveu de inspirações ou revisitações ao passado, porém sempre projetando algo novo para o futuro, faço aqui uma breve análise sobre o que essas obras têm de continuidade com o passado, afinidade com o presente e projeção de futuro, e consequentemte, contribuir com conteúdos sobre moda na sala de aula.
A obra “Figurino para um balé futurista”, de 1930, de Giacomo Balla (1871- 1958), representa um elo com o passado quando inspirada na roupa de corte reto, comum na obra da estilista Coco Chanel, que nos anos de 1920 seguindo as regras da Bauhaus, marcou para sempre a moda feminina no mundo, reinventando o terno que era, até então, de uso exclusivo masculino, transformando em tailleur, usado primeiramente na prática de equitação feminina e depois ganhando o mundo e novas versões para todos os gostos e vários momentos até a atualidade.
Giacono Balla inspira-se também nesses ternos, atrelando-se ao futuro ao criar um figurino distante da suavidade e elegância das roupas de balé usado naquele período, instituindo afinidade com o presente, com o jogo de cores primárias e secundárias, sugerindo algo novo, desafiador, pois é no mínimo “gritante”, futuro e presente ao mesmo tempo, porém possível, pois o figurino assume o desafio de chamar a atenção e tornar atuantes todos os elementos que compõe a cena, participando de maneira mais ativa no trabalho cênico e não mais complementar.
O desenho traçado fornece novas informações sobre cores e repetição de formas, inspiradas no jogo de luz e sombra e a integração do espectro cromático, representando também adesão ao futurismo. Nesse período, o artista fazia parte do movimento futurista e assinou o manifesto que tinha como uma das diretrizes “destruir o pedantismo e o formalismo acadêmico”. A projeção para o futuro aparece na liberdade de expressão em criar figurinos informais, adaptáveis às diversas situações e que poderiam ser usados por ambos os gêneros.
A obra “Baixo-relevo”, 1931, de Madeleine Vionnet (1876-1975), é uma pequena representação da grande obra de quem inovou a alta costura com seus vestidos em corte viés e drapeados. Mostra-nos que o grande elo com o passado foi à inspiração nos princípios da arte grega, sinônimo de leveza, harmonia e elegância. A afinidade com o presente foi uma releitura que conferiu desobrigação do corpo feminino dos corseletes, trazendo mais conforto e construindo uma nova personalidade para a mulher até os dias de hoje. À época predominava os cortes retos de Coco Chanel, não menos elegante.
No entanto o movimento proporcionado pelas linhas simples do corte de Vionnet, pela leveza dos tecidos, crepe da china, gabardine e cetim que proporcionavam movimento deixaram a mulher sensível e sensual ao mesmo tempo. O lema de Madeleine era: “Quando uma mulher sorri, então, seu vestido deve sorrir também”. Que significa dizer, flexibilidade e movimento para a mulher, hoje, amanhã e sempre, cumprindo com uma ambição de liberdade e projeção de futuro que se reflete no uso de tecidos leves, que se adaptam ao corpo, sem a necessidade do espartilho e da roupa que moldava o corpo, exigindo uma nova postura feminina, não mais presa a um molde, porém modelando-se naturalmente, reduzindo as próprias medidas para acompanhar uma nova era.
As garotas do Alceu |
A ilustração de moda com biquíni, da década de 1950, de Alceu Pena (1915-1980), é uma pequena mostra do talento do desenhista e colaborador de diversas revistas nacionais. Mulheres de biquínis, lindas e maliciosas, foram temas constantes em sua coluna “As garotas do Alceu”, da revista O cruzeiro, onde ele representava a mulher brasileira e lançava moda, referência para estilistas e modistas. À época a peça feminina em questão, o biquíni, começou a ser usado no Brasil, de criação francesa, logo consagrado por vedetes como Carmem Verônica e Norma Tamar, vindo a tornar-se, depois, comum nas praias brasileiras passando a fazer parte da paisagem que representava a mulher brasileira ao mundo.
A obra se identifica com o passado quando mostra o biquíni, criado a partir do maiô, uma peça única já aceita pela sociedade e ousadamente dividido ao meio transformado em duas peças distintas, deixando à silhueta da mulher a mostra, tendência européia que se exigia trajes cada vez menores para apresentar a exuberância de mulheres magras e esguia, simbolizando os primeiros passos para a liberdade e liberação do corpo feminino. Essas novas peças foram ilustradas por Alceu, tornando-as populares, utilizando as garotas e associado-as a um ideal de beleza e postura de liberdade, como elementos característicos da mulher do futuro. A identificação com o futuro acontece quando se reconhece o biquíni com uma moda que não passou, e que está totalmente integrada a vestimenta habitual, fazendo parte da cultura e modelando o perfil de mulheres bonitas, sedutoras e livres.
As obras do autor foram capazes de ditar mudanças nas revistas que participaram e muitas delas, como no caso de O Cruzeiro, tornaram-se num fenomeno editorial, influenciando a imprensa, a publicidade, o design e a moda. “As garotas do Alceu” tornou-se sinônimo de luta e liberdade por ideias feministas. Alceu criou um estilo brasileiro na moda, inspirado nos ideais de identidade social propostos pelo Estado Novo, que previa uma ampliação econômica e estética para o país com o intuito de propagar um novo estilo de vida.
O casaco de organza rasgada, de 1996, de Christian Lacroix (1951 -) nascido na França, representa a ousadia de quem é hoje um dos maiores símbolos da alta-costura. Ainda não se pode falar de Lacroix no passado, mas sua obra em questão faz uma revisitação ao passado utilizando signos de culturas primitivas quando brinca com a “bricolagem”, a união de vários elementos para criação de um único, e o “patchwork”, arte em retalhos, artesanal e exclusiva, assim como a arte primitiva dos africanos ou ciganos, como também o reaproveitamento de materiais que aparentemente teriam perdidos a utilidade, garantindo assim, a reciclagem de materiais e introduzindo na alta-costura discussões ambientais em relação ao tratamento do lixo.
A união dessas técnicas e atitudes ecologicamente corretas reforça a idéia do “lixo ao luxo” marca registrada do estilista que em 1988 criou sua primeira coleção inspirada em diversas culturas e utilizando vários materiais, vários tecidos, da organza ao jeans, sem perder o foco em questões conscientes de reutilização de materiais. Desta forma, o estilista traz para a alta-costura uma postura crítica e inverte os conceitos de luxo e lixo, estimulando a responsabilidade ecológica de cada mulher do futuro e como essa postura se refletiria no modo de se vestir. E tanto é acertada essa projeção, que ela continua atual nas discussões que temos acerca da sustentabilidade hoje em dia.
A afinidade com o presente na obra de Lacroix é a mesma afinidade com o futuro, independência criativa e ao mesmo tempo atrevimento, já que a obra, mesmo seguindo o padrão do luxo, dos tecidos leves e inteligentes, utiliza-se também da mistura de culturas e abundância de cores. A projeção para o futuro apresenta-se na continuidade do estilo inovador e arrojado de apontar novas tendências e apostar em moda para pessoas com atitude no momento em que o elegante é ser ousado e globalizado, ou seja, sem fronteiras para a cultura e moda, etnias diversas e seus signos, materiais diversos, os mais inusitados possíveis, ecologicamente sustentáveis.
A criação desses artistas, vez por outra, inspira novos criadores da moda contemporânea, e em alguns casos, até imitações. No entanto, o que queremos sinalizar é que o passado interfere no presente através dos seus legados artísticos, políticos e sociais. Muitas vezes nas retrospectivas são citados apenas os legados artísticos mercadológicos, que dão uma sensação de novo quando expandem para acessórios masculinos, mobiliários, calçados, etc., mas que são meras revisitações, inspirações, e outros adjetivos inventados.
Referencias
Muito interessante, Elizete, essa análise, mostrando vários estilistas, em suas épocas,e a ifluência deles, na moda que vai surgindo. Os estilistas citados, são admiráveis, principalmnete Chanel, para mim. Recordo-me muito bem de "As garotas do Alceu", na revista O Cruzeiro, que sempre entrava lá em nossa casa.
ResponderExcluirQuero lhe dizer que fiz a postagem, utilizando duas fotos suas, com os devidos créditos.
É possível, que utilize mais algumas, nas próxiamas postagens, sobre o Cunhaú...
Um abraço
Maria Lúcia Paiva